sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Elio Gaspari e, quem sabe, sua última chance

25/12/2013 - A convocação para 2014: Eliooo, o Heitor!
- Saul Leblon - Carta Maior

Em sua coluna natalina, neste 25 de dezembro de 2013, na Folha, o jornalista Elio Gaspari [foto] convoca protestos de rua para  2014.


O panfleto está encartado na Folha e assemelhados. É a sua explícita contribuição à campanha conservadora no próximo ano.

"Em 2014 vem prá rua você também", diz o título da coluna que arremata com a seguinte exortação:

"Em 2014 a turma que paga as contas irá às urnas. Elas poderão ser um bom corretivo, mas a experiência deste ano que está acabando mostra que surgiu outra forma de expressão, mais direta: "Vem pra rua você também".

Gaspari engrossa o coro daqueles que – a exemplo dele (leia a análise de Antonio Lassance, neste link), sabem que só o impulso de acontecimentos anormais pode devolver o poder ao conservadorismo ao qual se filiam, nas eleições do próximo ano.

Reconheça-se no panfleto encartado na Folha o predicado da coerência: Gaspari se mantém fiel à cepa na qual foi cevado e graças a qual deixou o batente das redações para viver das memórias da ditadura.

O artigo é uma extensão dessa trajetória.

É como se o autor psicografasse vozes e agendas às quais serviu como uma tubulação expressa quando a ditadura militar agônica buscava erguer a ponte dos anos 80, para trocar o uniforme pela gravata, sem macular a essência do poder.

Gaspari, sub-chefão de Veja, então, ao lado de Roberto Guzzo, aderiu ao esforço de erguer linhas de passagem sem rupturas de destino.

Da esq. para a dir.: Cel. Heitor de Aquino Ferreira, Elio Gaspari, Roberto Civita, Persio Pisani e, de costas, o Presidente Figueiredo

Secretárias pressurosas emitiam a convocação em sustenidos de urgência pelos corredores da revista nos anos 80: '- "Eliiooooo, o Heitor, o Heitor!."

Era algo religioso.

O telefonema-chave chegava invariavelmente um ou dois dias antes do fechamento da edição semanal.

"Heitor", mais especificamente, o coronel Heitor de Aquino Ferreira, acumulava credenciais do outro lado da linha.

Elas justificavam a ansiedade incontida no trinado das secretárias.

Sua ficha corrida incluía o engajamento, cadete ainda, na conspiração para derrubar Juscelino, em 1955; a ativa participação golpista para derrubar Jango, em 64; a prestação de serviços para injetar músculos no SNI; a ação lubrificante à passagem de Daniel Ludwig, o bilionário do projeto Jari, pelos corredores do poder militar. E assim por diante.

Com base nesse saldo foi nomeado secretário de dois ditadores: Geisel [D] e Figueiredo [E].

Elio e Heitor tinham mais que a cumplicidade na missão específica da travessia do quartel para a urna.

Fluxo e vertedouro identificavam-se num traço de caráter, digamos, olfativo: ambos eram bons farejadores dos ventos da história.

Elio começou a carreira no jornal Novos Rumos, ligado ao Partidão (PCB); rápido sentiu a friagem vinda do polo oposto e foi servir ao colunista social
e reacionário de carteirinha, Ibrain Sued; pós golpe, ascendeu como turbojato na carreira.

A pretensiosidade é outro traço que dá liga à parceria.

Na conspiração golpista de 64, o capitão Aquino Ferreira usava um codinome afetado: "Conde de Oeiras".

Nos telefonemas ao jornalista Elio Gaspari - destinatário dos pressurosos arrulhos das secretárias de Veja nos anos 80, o já coronel Heitor considerava desnecessário o anonimato.

Tampouco Elio recomendava discrição às telefonistas.

Eram tempos em que pertencer a certos círculos fazia bem ao currículo e ao ego.

Ser o mensageiro, a tubulação dos bastidores da ditadura dava prestígio e holerite. Ademais de alimentar uma sensação de impunidade quase cínica.

Quando os telefonemas de Brasília agitavam as pautas e o arremate dos fechamentos de Veja, Heitor servia como homem de confiança e porta-voz do general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil do ditador Geisel [ambos na foto].

Foi nessa condição de emissário e serviçal que ele reuniu as famosas 40 pastas de documentos da ditadura, entregues entre 1982 e 1987 ao jornalista amigo selando um troca-troca feito de empatia e propósitos comuns.

Os arquivos serviriam de lastro aos livros [foto] que Gaspari lançaria com a sua versão sobre o ciclo da ditadura.

Era essa a carga simbólica que os chamados de Heitor propagavam pelos corredores da Veja, um ou dois dias antes do fechamento.

Às vezes no mesmo dia; não raro mais de uma vez ao dia.

O destinatário dos  telefonemas das sombras, a exemplo de outros protagonistas de um enredo à espera de um filme, agora convoca as massas às ruas em 2014.

De certa maneira, presta-se ainda ao papel de duto de Heitor, já morto, psicografando lições, limites e agendas à democracia brasileira.

Teimosa, ela  insiste em afrontar os perímetros sociais e econômicos delimitados nos anos 80, nos gloriosos dias da transição segura e gradual, abraçada pela dupla de democratas.

O artigo deste Natal carrega a ansiedade abusada de quem vê nas urnas de 2014 a última chance de reverter um processo no qual "bruxos" de farda e megalomaníacos de redação perdem a prerrogativa de ditar o que é bom para o país e para a democracia.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/A-convocacao-para-2014-Eliooo-o-Heitor-/29877

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

Leia também:
- As almas penadas da ditadura - Leandro Fortes